30/11/2006

AGRADECIMENTO IMORTAL A DEUS

Às vezes os sonhos levam-nos a regiões de uma força evocadora de realidades passadas, irresistível. Frequentamos séculos anteriores à nossa era como se a coexistência de todos os tempos da história fosse uma teoria demonstrada por factos.
Procedente das águas de um rio antigo, vi-me transformado num mago singular, e chegado a uma das margens que tinha grande beleza natural e monumentos colossais. Ia ali por uma questão de operar prodígios na corte de um rei magnífico, mas acabei por ficar prisioneiro da torre mais alta do seu palácio. Dediquei-me então, ao cultivo das ideias, e descobri-me idealista.
Compuz elementos de uma larga série de concepções do Mundo que havia de alcançar realização perfeita e clássica no corpo de um livro. Mas não foi esse livro que me proporcionou a celebridade de que gozei no tempo do meu sonho. Foi o esforço original que consagrei a viver de mim para mim na solidão de uma prisão de renúncias materiais. Esse contar comigo sem me ocupar nem preocupar com o exterior à minha volta, teve como prémio a apoteose triunfal da minha vitória.
Nós, os idealistas, devemos um agradecimento imortal a Deus por nos ensinar a necessidade de vencermos a contingência das formas volúveis. Há aqui um quadrado de ideias equivalente a um círculo de pensamentos. Quer dizer: o conhecimento é a compensação que nos espera, quando do jogo das aparências elaboramos uma síntese que afirma a verdade.
Mago singular do sonho! devolve-lhe o teu envoltório mágico, e sê depois de acordado, um apóstolo dos valores eternos da cultura.

29/11/2006

FLAGELOS DE DEUS

Seria maravilhoso reunir nestes juízos as excelências da intenção às delícias do acto livre. Eu queria ser o menos venerável e o menos frívolo dos autores. Queria com uma mão tocar o bico de uma estrela da poesia e com a outra a via láctea da ciência. Ah! eu queria abranger o grande espaço entre os extremos da cultura, e semear a área total do Mundo com incêndios de justiça. E de todo o fogo obtido desse modo, extraír a purificação do homem, libertando-o do jugo ostensivo da amargura.
Gostaria de gravar no bronze do sofrimento humano palavras milenárias como esfinges de redenção e aladas como pássaros verdes de esperança. palavras de santos, de sábios, de artistas, que soassem na alma dos homens como madrigais da Eternidade.
E então, sim, tenho a impressão, subtil impressão que me invade de alegria, que o Mundo se povoaria com essa raça de homens que descende em linha recta do antepassado glorioso que é Cristo.
Esta realidade é um longe perto, embora as aparências continuem a favorecer a violência de todas as opressões exercidas pelos flagelos de Deus sobre o corpo e a alma da Humanidade.
Quem são os flagelos de Deus? As minorias priviligiadas que sempre assolaram o Mundo com a voracidade das suas ambições, a tirania do seu poder e a corrupção dos seus costumes.

28/11/2006

GEOGRAFIA DE APELO AOS MORTOS

Considero justo o comentário que faço, quando digo que a leitura de certos livros deixa a vida no que representa de relações entre os homens, diminuída de beleza. De beleza, de interesse e de sentido, se observada nas desoladas sequências que conduzem o homem do nascimento à morte, num carrocel de banalidades, suficiências e resignações anónimas.
O famoso drama da servidão humana é drama muitas vezes culminado em tragédia, já se sabe. Porém, drama com um não sei quê de crendices e superstições à mistura.
Precisando mais: a vida real, não a transfigurada pela fome insaciável de beleza dos poetas, é um deserto misterioso de ignorância e estupidez, onde se movem e imobilizam milhões de criaturas para nada, sem se interrogarem porquê. É quase uma geografia de apelo aos mortos o deserto misterioso que é a vida real. São quase mortos, pode dizer-se assim dessas multidões vivas sem ideias.
Essa pobre gente não foi nem é cristã. Mas também nunca soube ser pagã com todo o seu carácter de força cega entre todas as outras forças cegas da Natureza. É escrava. Apenas escrava.

27/11/2006

ANATOMIA SOCIAL LEPROSA

A primeira impressão é por via de regra, a última recordação.
Ao frequentar países estrangeiros colhi deles, uma imagem estragada de amoralidade como regra de vida. Amoralidade em excesso. Demasiada amoralidade. Um sem fim de manifestações de impudor, de descargas de egoísmo; uma enxurrada de má educação por toda essa Europa fora.
Chega a ser ridícula a segurança de se encontrar decadência em todos os povos que compõem a imensa colmneia europeia. Infalìvelmente qualquer um desses países para além dos Pirinéus, por caro estipêndio, note-se, oferece a indigência do primeiro pecado mortal, e do segundo, e do terceiro, até ao sétimo, mostrando uma anatomia social leprosa, a desfazer-se aos bocados.
É de temer que esse efeito tenha como causa uma agência internacional de corrupção e perversão, infiscalizáveis. O viajante encontra Sodomas e Gomorras com a mesma facilidade com que encontra Bancos e Monopólios. Esta analogia sem premeditação, deixa-me na dúvida se as primeiras são sucursais dos segundos, ou se estes são a casa-mãe de todos os vícios daquelas.
De qualquer maneira, o excesso quantitativo do mal gera-se na adoração sacrílega do dinheiro. A sordidez do dinheiro criou uma nova espécie de escravos revoltados contra os valores positivos da vida, para se entregarem ao gozo pueril de todos os prazeres físicos e mecânicos.
Quando a decadência de uma época oferece unanimemente, um saldo astronómico de impureza no balanço entre o bem e o mal, a morte da sua cultura é mais do que irremediável, é fatal. E embora se reconheçam instrumentos de genialidade potente na civilização mecânica que está a deslumbrar o homem em todas as latitudes deste pseudo continente que é a Europa, a posteridade não lhe perdoará a estupidez do suicídio materialista e ateu dos seus povos, afinal mal entrados na infância da evolução.

26/11/2006

A ESPERANÇA NUNCA FOI UMA PALAVRA VÃ

Quando vejo mentiras, quando sinto mentiras, quando leio mentiras; quando esse espectáculo de repugnante covardia e traição desfila diante de meus olhos e me segue os passos como um facínora encoberto pela sombra das esquinas; que satisfação respirar o ar puro das solidões majestosas onde vive a inteligência humana que criou o bem e a beleza da vida!
Nesta época de confusões, que tudo ou quase tudo inverteu, o que o futuro exige dos homens é que sirvam e não se abstenham.
sinto a alma monogramada de luto por um diamante negro como o presente, mas a esperança nunca foi uma palavra vã. Aos crepes das pompas funéreas dos dias de hoje, sucedem-se os trajos de gala dos dias de amanhã.
Nesta certeza morrerei.